Epopeia ética ou epigrama moral?

A ética é um objeto de estudo inerente à Filosofia. E, apesar de muita gente atualmente insistir em falar sobre ela sem ter nenhum contato teórico, o que só empobrece a sociedade, é preciso recordar as suas origens no passado. Antes da Filosofia se fazer presente na Grécia Antiga, devemos lembrar que até então, a consciência mítica prevalecia como mestra nas decisões da vida. Embora sua presença/ação possa ser vista na contemporaneidade, essa ruptura só aconteceu devido às inúmeras transformações sociais, políticas e econômicas do período.
Até o nascimento da Filosofia, acreditava-se que tudo que acontecia na terra era fruto dos deuses que habitavam o Olimpo. Não obstante fossem imortais, comportavam-se como a humanidade: bons e maus ao selar o destino da humanidade. Para isso, os gregos dispunham de poemas épicos como Ilíada e Odisseia que narravam os grandes feitos do homem, bem como sua impotência perante o destino, traçado por outrem. Conforme essa mentalidade, nada havia de ser feito frente aos desejos dos deuses. Tudo já estava decidido.
E foram essas obras as responsáveis por perpetuar a história dos antepassados e as realizações dos deuses. Estas epopeias tinham então um carácter pedagógico. Há versos que mostram a conformação do herói perante a realidade na Ilíada. Tal inércia, inaceitável nos dias atuais, na época, não causava nenhum desconforto ou demérito para os homens. Era sinal de escolha dos deuses, um reconhecimento por suas virtudes.
E para virtude, conceito cunhado no mesmo período, que significa “homem forte” e/ou corajoso; para os gregos, esse valor correspondia à superioridade, à excelência; o ápice da vida terrena, marcada por escolha divina. Na contemporaneidade, o conceito de virtude extrapola essa definição. Ele abarca outros significados e outras aplicações, pairando sobre valores positivos que podem ser atribuídos a uma pessoa ou grupo.
Virtude, de modo geral, metamorfoseou-se em disposição ética para realizar o bem, apesar das adversidades. Apesar das adversidades. Porque sempre são muitas. Ser ético pressupõe a consciência dos obstáculos a serem transpostos, colocados por vezes até pelos mais próximos.
A ética implica autonomia, e não mais imposição do destino. Ela libertou a humanidade da pseudo fatalidade moral dos deuses. Se o fim de cada um estava à mercê dos caprichos morais do Olimpo, a ética quebrou esses grilhões oferecendo liberdade. A ética é pautada na autonomia; a moral no destino; enquanto a primeira é movimento, a segunda é estagnação.
Já passou a validade da humanidade pautar-se em destino, que se enquadra nos braços da moral. Temos mais do que o necessário de discernimento para perceber que tudo – de ações a omissões – são os verdadeiros propulsores dos avanços e retrocessos que povoam nossa vida. Não cabe mais esse pensamento mítico fadado à conveniência do destino orientado pela moralidade.
A ética emancipa, ao passo que traz para cada um de nós, por vezes, o desconforto de ter que escolher entre variáveis, sem ter como responsabilizar terceiros sob as asas da moral. Mas, mais uma vez, a ética lança a responsabilidade para a humanidade e não para Olimpo.
Talita Seniuk
Professora
linkedin.com/in/talita-seniuk-222823179
@talita_seniuk